18 de maio. Memória e novas subjetivações

18 de maio é a data que marca a memória e o desejo da luta antimanicomial. Data que nos convida a olhar para a loucura e para a desrazão. Um outro olhar que cinde as violentas lógicas de um pensamento médico constituído em uma política colonial, e que nos abre para novas possibilidades de subjetivação. Diante das importantes questões que ganharam força nas ruas e nas redes nas últimas semanas, uma em específico me chamou bastante atenção: o reconhecimento das violências de raça como um dos fundamentos da política manicomial.

Lima Barreto, em seu “Diário do Hospício” ou em “Cemitério dos Vivos” e Abdias Nascimento, em sua obra “O genocídio do negro brasileiro” (1978), nos mostram como essa política sempre esteve alicerçada em um racismo cientifico, “eficazmente institucionalizado nos níveis oficiais de governo, assim como difuso no tecido social (…) da classificação grosseira dos negros como selvagens e inferiores, ao enaltecimento das virtudes da mistura de sangue” (Nascimento, 1978, p. 93). Muitas são as atualizações do reconhecimento dessas violências. Emiliano David (2018), por exemplo, realiza um resgate histórico de barbaridades que vão desde o reconhecimento dado pela comunidade científica do Rio de Janeiro, no início do século 20; da inferioridade intelectual das pessoas negras, com o processo de manicomialização; de internações forçadas da população negra brasileira, inclusive de crianças; até os tempos atuais, com encadeamentos entre a produção de iniquidades em saúde mental e o racismo enquanto estrutura, assim como em suas manifestações institucionais, por meio do acompanhamento de um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, na zona norte da cidade de São Paulo.

Me chama a atenção, então, que violências raciais muitas vezes não tenham sido ou não sejam profundamente consideradas até mesmo por aqueles que dedicaram e dedicam suas vidas para a transformação dessa política. O questionamento “Holocausto ou navio negreiro”, de Rachel Gouveia (2018) é certeiro, pois abre o debate sobre como autores como Fanon, Lélia Gonzalez, diretores como Zózimo Bulbul, e tantos outros, tiveram tão pouco espaço no reconhecimento coletivo desse processo.

Lélia Gonzalez, em seu texto “racismo e sexismo na cultura brasileira” (1984), trabalha com as noções de “consciência” e “memória”. Por meio delas, ao tensionar as produções psicanalíticas a partir das produções teóricas dos movimentos feministas e negros, a autora coloca a “consciência” como a forma pela qual a ideologia se faz presente, sendo o lugar “da alienação, do esquecimento e até do saber”. Já a “memória” estaria em outra via, como aquilo que dá lugar a um “não-saber que conhece”, à restituição de uma história. De forma que a “consciência” acabaria por excluir o que a “memória” inclui. Nesse o questionamento de Gouveia nos compele a uma radicalidade. Nos compele a uma cisão da “consciência” que abra espaço para a “memória”, sem a qual novas possibilidades de subjetivação não serão possíveis.

 

Imagem de Pexels from Pixabay

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