Barbie Arqueóloga: construindo narrativas audiovisuais sobre Antropologia e Arqueologia
Acompanhei na última semana um movimento duplo, que coexistiu em minhas redes sociais: de um lado, comentários acerca da produção e recepção do novo filme em Live-action da Barbie; e, do outro, textos de comemoração ao Dia do Arqueólogo (ou Dia de Arqueólogue, seria melhor dizer, mas muito raramente se diz), celebrado no dia 26 de julho. Essa conjunção cósmica – ou, muito mais provável, algorítmica – de assuntos nos meus feeds me fez pensar em um projeto do qual fiz parte e que ajudei a conceber na graduação, que se fundava na justaposição desses dois elementos: o canal de divulgação científica “Barbie Arqueóloga”.
O “Barbie Arqueóloga” é uma iniciativa coletiva e autogerida (composta por páginas no Youtube e Instagram), que constituem canais de divulgação científica do curso de Antropologia e Arqueologia da UFMG. Nos vídeos do canal buscamos falar, de maneira divertida e acessível, acerca dessas duas áreas, os tipos de estudos desenvolvidos a partir delas, a presença de contextos ou práticas arqueológicas dentro de filmes e videogames e procuramos desfazer alguns mitos sobre os contextos arqueológicos, como intervenções alienígenas, e sobre os métodos e práticas dessa área.
Mas, devo admitir, ao apresentar o canal escutei muitas vezes a pergunta: “porque Barbie Arqueóloga?” Para esta pergunta há muitas respostas possíveis. A história “real” que a responde remonta ao ano de 2019, quando ao fazer uma disciplina de “Arqueologia e Comunicação”, nos deparamos abismades com o fato de que não existe uma versão da Barbie Arqueóloga. Pior, há uma barbie Lara Croft, que vem com uma arma, uma barbie Jane Goodall, que vem com um gorila, e há ainda duas versões de barbies paleontólogas, ambas muitas vezes vendidas como Barbies Arqueólogas, o que expressa uma confusão comum pela qual quase todes es arqueologues já tiveram de passar. Não à toa, um de nossos primeiros vídeos publicados é intitulado “Arqueologia versus Dinossauros”.
Essa confusão é, entretanto, sintoma de um problema mais profundo: apesar de ser uma profissão com ampla presença na cultura pop, suas representações midiáticas e audiovisuais são também estereotipadas e pouco realistas (vide Indiana Jones, a Múmia, Lara Croft e tantos outros), perdendo aquilo que a arqueologia de fato faz e aquilo que tem também de mais potente: a capacidade de construir narrativas a partir de materialidades produzidas por seres humanos, em diversos tempos e contextos. A possibilidade de contar histórias sobre e em diálogo com coisas/artefatos feitos e usados por grupos cujas narrativas foram apagadas, invisibilizadas ou mesmo não registradas nos documentos oficiais, restando aos artefatos e às interpretações que deles fazemos a potência de contar alguns fragmentos dessas vivências.
Mas também, e principalmente, temos o “Barbie Arqueóloga” assim intitulado, pois este nome diz dos propósitos desse canal: de colocar em prática maneiras mais criativas, politicamente engajadas e dialógicas de comunicar acerca de antropologia e arqueologia, nossos estudos, saberes e fazeres, e com públicos diversos; de explorar múltiplas temáticas das nossas áreas de estudo em intersecção com as artes visuais, o audiovisual, as tecnologias. Por meio de experiências visuais e digitais com ilustração, animação, vídeo, arte gráfica, colagem digital e edição, além da programação de mostras virtuais e lives; mas também de mostrar como as materialidades – foco do fazer arqueológico – são personagens importantes, com os quais podemos fomentar uma miríade de discussões sociopolíticas, históricas e culturais.
Ao falar da Barbie, por exemplo, (o que curiosamente nunca fizemos no canal), é possível falar de feminismo, de relações e disputas de gênero, de infância, de corpo e padrões corporais, de raça, de capitalismo e indústria, de plástico, de colonialismo, podemos falar de representatividade, de mídia, de propaganda, de tecnologia, podemos falar de como a materialidade constantemente e coetaneamente impacta e é impactada, constrói e é construída pelas relações sociais e culturais, pelas estruturas de poder e de resistência.
Mas, além disso, também é possível usar elementos como a Barbie e mais uma infinidade de símbolos da cultura pop, do cinema, da internet, além das próprias ferramentas múltiplas do audiovisual, para falar de Arqueologia e materialidade: dialogar com sua capacidade de engajamento com diferentes públicos, por meio de afetos, risos, sensorialidades, lembranças e conexões com as pessoas e com sua vida cotidiana.
Legenda da imagem: Colagem de barbies, a Arqueóloga e suas aparentadas. Créditos da imagem: Flora Villas
Irene
Eu amooooooo a Barbie Arqueóloga!