Invertidas & Safistas: Visão da ciência sobre a homossexualidade feminina no século XIX e XX
No século XIX, o discurso da igreja católica perdia o espaço para novas fontes de autoridade – os “campos de saber”, que passaram a ditar as normas sociais. Essas normas, alegadamente neutras, refletiam uma visão que colocava os homens brancos e a heterossexualidade como padrões, marginalizando aqueles que não se enquadravam nessas categorias.
Em relação à sexualidade feminina, alguns estudiosos na era vitoriana promoviam a ideia de que as mulheres fossem sexualmente indiferentes. Porém, se somente os homens sentiam desejo, como duas mulheres poderiam sentir interesse sexual mútuo? Conforme as crenças de alguns cientistas da época – uma delas deveria ser uma “invertida”.
Dessa forma, a homossexualidade saia do posto de pecado para também adentrar ao da doença, à medida que o papel de cientistas passou a ser padronizar os corpos. Práticas do médico legista Leonídio Ribeiro, por exemplo, tentavam relacionar a homossexualidade a problemas fisiológicos, e os tratamentos variavam desde a atenção familiar até intervenções cirúrgicas como o transplante ovariano.
Outros médicos associavam a homossexualidade feminina a menstruação, que segundo eles era o momento mais propício para mulheres manifestarem problemas de ordem mental. Já Luiz de Paula, também médico, associava a lesbianidade à histeria “pois nela, a imaginação é desregrada e superexcitada, como em todos os outros degenerados”.
Para o médico Pires de Almeida em 1906, o prazer sexual poderia levar as mulheres ao “lesbianismo e em relação ao “tratamento”, deveria ser aplicada de trinta a cem sessões de hipnose que deveriam “incutir ao doente a repulsão, o nojo e o horror pela sua anormalidade”.
Almeida ainda escreveu em seus estudos que as maiores “culpadas” pelas práticas sexuais lésbicas eram as mulheres negras escravizadas que em conjunto as mulheres indígenas, eram os grandes influenciadores das práticas homoafetivas.
Já Aguiar, em 1926, categorizava lésbicas entre ativas e passivas, sáficas e tribades, e verdadeira e falsa. O autor não conseguia compreender a possibilidade de os papéis serem intercambiáveis, seguindo um preceito de onde um penetra e outro é penetrado.
Contrariando a ideia imposta de que a homossexualidade feminina tinha relação com uma expressão externa associada ao masculino, lésbicas que não podiam ser classificadas dessa forma eram vistas como narcisistas e por isso eram classificadas como homossexuais cuja homossexualidade foi “adquirida” e não era “congênita”.
Para o psiquiatra Afrânio Peixoto em 1944, os colégios, pensionatos e conventos eram lugares onde a homossexualidade se manifestava com maior frequência, e para evitá-la cabia aos cientistas alertarem aos perigos, riscos e condições das “práticas sexuais invertidas e inaceitáveis”. O casamento também era entendido como uma forma de tratamento, e neste caso para o clínico Horácio Corrêa, tinha poder de prevenir que a mulher caísse na devassidão.
Com essas conceituações acerca da lesbianidade podemos observar uma tentativa incansável dos cientistas para adequar pessoas a uma moral subjetiva da classe dominante, o que foge da pretensão de que seus discursos tinham como base a neutralidade. O que temos na realidade e nos trabalhos mencionados é a perspectiva imposta por meio do processo de colonização, eurocentrismo e período escravocrata daquele espaço tempo.
Os registros ignoram nomes e posicionam-se de forma tendenciosa, algo que fundamentou as opressões vivenciadas por esse grupo até os dias atuais. Sendo assim, resgatar a forma com qual lésbicas eram tratadas tem o intuito de trazer visibilidade a temática evitando que a memória caia no esquecimento.
No texto “Invertidas & Safistas: Visão da ciência sobre a homossexualidade feminina no século XIX e XX“, produzido como trabalho final da disciplina “Estudos Culturais das Ciências”, falo mais sobre essas questões.
Legenda da imagem: 1880 – Victorian era lesbian couple, 1889 – Two women, 1899. Créditos da imagem: 1880 – sem crédito, 1889 – fyeahqueervintage.tumblr.com.