Como abordar metodologicamente menstruações múltiplas? Seja rabugenta!

Passaram apenas algumas semanas desde que coloquei o ponto final na minha tese, que foi batizada de “Manchando: (o que) fazer (com) a menstruação. Estratégias e experimentos para vazar questões feministas através das tecnociências”. Eu amo pesquisar menstruação, de verdade. Mas odeio ficar menstruada. E, quando estou menstruada, odeio o fato de pesquisar menstruação, de verdade. E nesse ciclo mensal de amor e ódio, foram mais de quatro anos pesquisando sobre e com as menstruações. Tentei transformar essa experiência em problema metodológico que persegui (e que me perseguiu) ao longo da pesquisa: como abordar essa contradição, que explode em complexidade quando consideramos os modos como diferentes pessoas vivenciam a menstruação?
As pesquisadoras Ela Przybylo e Breanne Fahs (2020) propõem um caminho metodológico para abordar a menstruação e pessoas menstruantes que coloque em evidência tal diversidade, evitando cair em essencialismos. É o que as pesquisadoras chamam de “”cranky approach””. A palavra cranky é muito interessante e repleta de significados:

CRANKY
1a: given to fretful fussiness; readily angered when opposed;
1b: marked by eccentricity;
2: full of twists and turns;
3: working erratically;
4: crazy, silly.

Além das definições acima, cranky pode significar manha, capricho, mas também alguém fraco, abalado. No linguajar corrente, uma cranky person é uma pessoa que não está sempre furiosa ou indignada, é apenas mais fácil irritá-la que o normal: quando está com fome, cansada ​​ou desgastada, não é preciso muito para deixá-la ‘louca’. A partir dessa definição, uma tradução possível para cranky approach seria uma abordagem irritada ou irritável, porém, cranky carrega consigo muito mais do que tal acepção que, ligada à menstruação, acaba por reforçar estereótipos.
Conversando com minhas amigas sobre isso, chegamos ao consenso de que uma tradução possível para português seria “abordagem rabugenta”. Tal tradução tira um pouco do brilho de uma palavra que parece tão boa para os objetivos de Przybylo e Fahs: nos manter – nós, que temos a menstruação como centro das atenções – permanentemente alertas ao risco de estarmos produzindo um tipo de saber que “force a mão” para uma “positividade menstrual” que não contempla grande parte da experiência de pessoas que menstruam. Afinal, “dor, vazamento, trauma, desconforto, disforia e sentimento dissidentes” (2020, p. 386) fazem parte do dia a dia de muitas de nós.
Assim como as autoras, também aposto em uma abordagem manhosa, caprichosa, irritadiça, excêntrica, cheia de idas e vindas, errática, doida, besta, abalada, que seja capaz de trazer à tona uma multiplicidade de menstruações possíveis. O ato de não suprimir tal dimensão da experiência vivida é, a meu ver, um movimento no sentido de criar espaços de permissão para causar problemas compartilhados. O problema de resmungar está em que, provavelmente, alguém vai ouvir nosso barulho. E o silêncio indesejado não nos cabe mais.

Saiba mais:

PRZYBYLO, Ela; FAHS, Breanne. Empowered Bleeders and Cranky Menstruators: Menstrual Positivity and the “Liberated” Era of New Menstrual Product Advertisements. In: BOBEL, C. et al. (eds.). The Palgrave Handbook of Critical Menstruation Studies. Singapura: Palgrave Macmillan, 2020.

 

Legenda da imagem: Colagem feita a partir de fotografia de sangue menstrual seco. Créditos: Clarissa Reche.

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