O reaparecimento da máscara durante as queimadas
Durante uma intensa pesquisa de campo do pós-doutorado sobre qualidade do ar em outro hemisfério, meu país começou a acordar cinza. Setembro de 2024 ficará marcado na nossa história recente como o “mês do fogo” no Brasil. E com isso, comecei a ter flashbacks da minha experiência de divulgação científica no auge da pandemia: acordar com taquicardia com o celular cheio de mensagens de amigos, colegas, semi-conhecidos pedindo informações e dicas para lidar com um cenário apocalíptico. Jornalistas procurando a mim ao invés dos órgãos federais para trazer recomendações relativas à qualidade do ar para a população. Passar horas respondendo a mensagens individuais de pessoas desesperadas por ajuda.
Apertava o peito saber que, mais uma vez, esse trabalho não cabia à divulgação científica independente. Faltavam novamente informações claras vindas do Governo Federal e do Ministério da Saúde para informar adequadamente a população: vieram tarde demais, com erros demais, silenciosas demais.
Me vi repetindo informações sobre máscaras PFF2: explicando porque funcionam, onde comprar, sugerindo distribuição pelo poder público. Um comentário dizia que estávamos de novo querendo “emplacar” as máscaras em um novo contexto reeditado, como se fosse interessante. Em entrevista para a BBC em abril de 2021, destaquei o quanto desejávamos que o perfil acabasse: “A gente quer ser o contrário de um influenciador. O plano é que o perfil fique obsoleto, que não tenha mais relevância, seja pelo fim da pandemia ou porque as informações já chegaram a todo mundo”.
Com o aumento das queimadas, a pergunta “Qual Máscara?” voltou a fazer sentido por uma série de desconexões desastrosas na comunicação do Ministério da Saúde. A politização da máscara transformou a palavra em tabu, e o tabu se consolida quando os órgãos que deveriam mobilizar a máquina pública de comunicação para superá-lo não o fazem – como foi o caso da recomendação de bandana para proteção respiratória durante as queimadas.
Entre os meus maiores desejos nesta vida ainda está, sem dúvida, imaginar um mundo sem máscaras. Ao mesmo tempo, sou grata a elas pela proteção que oferecem. Infelizmente, no apocalipse climático pré-pós-pandêmico – ou como queira chamar -, partículas pequenas carregam vírus, bactérias, fuligem e muitas outras camadas de poluição para os nossos pulmões e corrente sanguínea. Além da pandemia da Covid seguir em curso, cada vez mais negligenciada, usos da máscara em outros contextos vão fazendo cada vez mais sentido.
Em setembro, o que essas partículas carregaram para dentro dos corpos humanos e não-humanos podia matar: adoeceu e matou uma parcela da população, sempre afetando desproporcionalmente os mais pobres. Assim como a pandemia de Covid não foi a última das próximas décadas, o “mês do fogo” também não será. Infelizmente, teremos que esperar uma próxima catástrofe para ver se vão optar por uma educação continuada sobre qualidade do ar e proteção respiratória, ou deixarão novamente a população abandonada para lidar com os efeitos da crise climática.
Legenda da imagem: Monitores de qualidade do ar mostrando o impacto das queimadas. Crédito: Beatriz Klimeck, site Purple Air.