Antropologias e feminismos: diferença e mistura

Durante meu mestrado em antropologia, entre 2019 e 2022, pesquisei ecofeminismos. O ecofeminismo foi um movimento que nasceu na década de 1970, foi deixado de lado por um bom tempo e voltou à cena nos últimos anos, com a urgência socioambiental das mudanças climáticas. Espalhadas de maneira desordenada entre ativistas indianas, camponesas e acadêmicas de diferentes lugares do mundo, no início as ecofeministas ficaram às voltas com o que diziam ser uma relação privilegiada das mulheres com a “natureza”, seja por conta de suas tarefas de cuidado com a casa e a alimentação, seja porque reconheciam que o avanço da ação humana destrutiva sobre o planeta afetava mais as mulheres camponesas e suas comunidades, entre outras questões. Para elas o movimento feminista precisava abarcar a questão ambiental com urgência.
Porém, mais ou menos no mesmo período, a grande questão feminista era, justamente, distanciar-se de uma natureza que definiria os papéis sociais das mulheres, atrelados sobretudo ao “sexo”, confinando-as à maternidade, à heteronormatividade e aos espaços domésticos. Tudo isso gerou uma rejeição feminista às aproximações com a “natureza”, ainda que fosse no sentido ambiental, e as ecofeministas foram excluídas dos circuitos de relevância feminista. Recentemente, algumas feministas latinoamericanas e indígenas recuperaram o termo ecofeminismo e o transformaram.
Em linhas gerais, minha pesquisa desejava entender o que foi feito da categoria “natureza”, que foi problematizada e até abandonada pelas ciências sociais e feminismos, mas restituída por esse novo ecofeminismo. Por um lado, me vi, enquanto antropóloga e feminista, muito cautelosa com essa palavra e seus problemas bem conhecidos. Por outro, uma parte de minhas “interlocutoras” – bibliografias ecofeministas contemporâneas – me convidavam a levar a sério o seu uso de “natureza” como estratégia de trazer a importância de seres não humanos e territórios para o cerne de seu feminismo.
Afirmar-se feminista é sempre deparar-se com a pluralidade dos feminismos. Longe de ser um campo coeso e definido, os feminismos servem mais como ferramentas empunhadas por diferentes pessoas a depender de onde se está, com quem se conversa, o que se quer reinvidicar e quem são as pessoas às quais essas questões dizem respeito. Houve muita confusão na antropologia sobre a possibilidade de uma “antropologia feminista” – de um lado, a exigência antropológica do cuidado com a alteridade, e, de outro, reivindicações por justiça e dignidade para pessoas que se organizam temporariamente sob o nome de “mulheres”, e que diferem muito entre si.
Eu me reconhecia como uma ecofeminista perdida: herdeira de pensamentos que conhecem muito bem as consequências da palavra “natureza”, mas entendendo a necessidade vital de um feminismo orientado para a questão socioambiental. A coisa mais valiosa que aprendi nesse percurso foi que é preciso diferenciar a feminista e a acadêmica, inclusive para que essa mistura tão profícua seja feita com responsabilidade, gerando reflexões mais realistas e situadas.

 

Legenda da imagem: Print screen de uma colagem digital de Shira Barzilay. Crédito da imagem: Shira Barzilay @koketit

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