Apesar da alta qualidade científica, células-tronco de sangue menstrual são pouco usadas em pesquisas

Estudo de revisão aponta viés de gênero que impede que as pesquisas com essas células mesenquimais ganhem espaço na ciência mundial

 

As células-tronco têm grande potencial médico por terem a capacidade de se transformar em qualquer tipo de célula humana. Células-tronco adultas podem ser extraídas de forma não invasiva, de modo abundante, são fáceis de cultivar em laboratório, crescem bem e têm boa resistência. Mas um detalhe as impede de serem vastamente pesquisadas: elas são originadas do sangue menstrual. Esta foi a conclusão de um estudo publicado na revista Frontiers in Genetics e coordenado pela antropóloga Daniela Manica, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que comparou a produção científica sobre diversos tipo de células-tronco, chamadas de células estromais mesenquimais, incluindo as do sangue menstrual (mbMSC), na base de dados PubMed entre 2008 – 2020. O estudo analisou 171 artigos publicados sobre as células-tronco mesenquimais, das quais apenas 0,25% dos trabalhos publicados se referem às mbMSC. As pesquisadoras investigaram a composição de gênero, país e universidade dos primeiros (aqueles que mais se dedicam ao estudo) e últimos (considerados líderes) autores das publicações. A maioria dos primeiros autores são mulheres (53,2%), enquanto a maioria dos últimos autores são homens (63,74%). Esses resultados reforçam uma lacuna de gênero já conhecida, na qual os homens, em geral, assumem cargos de maior prestígio e poder e figuram como últimos autores. Os homens também figuram com maior frequência como primeiros autores, e o fato de haver mais mulheres como primeiras autoras, neste estudo, difere do usual, indicando que as mulheres demonstram uma disponibilidade maior em trabalhar com sangue menstrual em suas pesquisas. Também ficou claro que os países periféricos são os que mais fazem ciência com as células mbMSC, como China, Brasil, Irã e universidades menores dos Estados Unidos da América.O sangue menstrual tende a ser menos utilizado em experiências científicas e seu valor científico tende a ser subestimado. Daniela esclarece que a ausência de critérios técnicos para essa desvalorização faz com que a única explicação possível seja a de que há um viés de gênero na seleção dos tecidos com mesenquimais que são pesquisados. “Há um desinteresse pelas células provenientes do útero que não se explica pela potencialidade das células em si, como mostramos com a revisão do estado da arte das pesquisas”, afirma a antropóloga. O artigo também investigou o debate que ocorre no Twitter sobre células-tronco de sangue menstrual e mostrou que o debate público também é incipiente, com mulheres tendo um discurso mais positivo, com grupos de feministas e empresas de biomedicina participando do debate. O Twitter, como plataforma de comunicação de influenciadores, tem um enorme potencial para que cientistas fortaleçam a comunicação sobre as células-tronco de sangue menstrual para valorizá-las dentro da comunidade acadêmica e conquistar mais visibilidade entre o público não especializado. “Seria uma forma dar visibilidade para essas células de alto potencial biológico, mas ainda pouco exploradas pela ciência”, conclui Daniela.

 

Artigo: 

DANIELA TONELLI MANICA, Karina Dutra Asensi, Gaia Mazzarelli, Bernardo Tura, Germana Barata and Regina Coeli dos Santos Goldenberg. Gender bias and menstrual blood in stem cell research: a review of Pubmed articles (2008-2020). Frontiers in Genetics. ELSI In Science and Genetics. doi: 10.3389/fgene.2022.957164.

Acesse aqui o artigo

Financiamento:

Fapesp (SP), processo número 2018/21651-3

 

Descrição da imagem: Gráfico de distribuição por gênero entre primeiras e últimas autorias dos papers analisado.

Leave A Comment