Dia da Consciência Negra: como pensar o papel da branquitude e seus privilégios.

Bell Hooks em seu livro “Escrever Além da Raça” (2013), transcorre o quanto o discurso da ira e da raiva de pessoas pretas no decorrer de nossas lutas, foram mais bem aceitos pela mídia, do que os que desvelavam os mecanismos da supremacia branca. Segundo a autora, isso ocorre porque, além de nos colocar como o “irracional”, acabavam reafirmando aos racistas o quanto seus mecanismos de opressão estavam funcionando.
Sua provocação me leva a dissertar sobre esse lugar no dia da consciência negra. Desde muito cedo nós, pessoas pretas, somos racializadas. Devemos saber de que cor somos, seguidamente de quem somos, ou seja, o racismo cobra que pessoas pretas saibam “seu lugar” desde crianças. A hierarquia do racismo que organiza nossos corpos na sociedade, tem pressa que ocupemos o lugar produzido por eles, como o “outro”, “diferente” e “inferior”. As violências que sofremos a partir desse lugar moldam as nossas interações sociais, trazendo consequências psíquicas, físicas e financeiras.
Lembro-me de uma ocasião em que minha filha, na época, com três anos, contou que uma colega perguntou a ela, o porquê de sua pele preta e se ela não tomava banho. Essa mesma coleguinha, tinha o costume de deixá-la de lado durante as brincadeiras. Minha filha buscou respostas naquele momento sobre o ocorrido, queria saber o motivo da colega a tratar dessa maneira, se havia algum problema com ela. E com três anos de idade tive que alertá-la sobre o racismo, e como deveria lidar com essa situação.
Fiquei abalada. Não pensei que iniciaria essa conversa enquanto ela ainda aprendia as primeiras letras do abecedário. Por alguns estantes o meu desejo de viver em um mundo menos racista, me deixou cair na falácia de que sua infância poderia ser diferente da minha. Infelizmente, me enganei. Afinal, quantas vezes as escolas como instituições, deram espaços para uma conversa arejada e transparente sobre o racismo? Quantas vezes a branquitude se movimentou para mudar sua consciência em relação ao racismo dentro das instituições que os privilegiam?
Esse episódio que ocorreu com a minha filha, entre outros, que ocorrem com recorrência na vida de pessoas pretas, me faz pensar que: os pilares da supremacia branca inseridos dentro das instituições e estruturas, continuam impedindo que ocorram mudanças na sociedade.
Dificilmente pessoas brancas recordam o momento em que começaram a ser racistas em suas vidas. E os mecanismos que facilitam esse tipo de “esquecimento” estão ligados diretamente ao suporte que as instituições promovem para o racismo, ou o que chamamos de “pacto da branquitude” como descreve a psicóloga, escritora e ativista Cida Bento.
Essa lógica se dá como um modo de autopreservação, como se os brancos se colocassem no papel de “universal”, agindo em defesa de seus privilégios, e afastando todos os “outros”, os negros, indígenas, em uma marcação territorial “eles e nós”. Nesta lógica seria muito mais fácil agir violentamente na proteção de seus espaços contra o “invasor”, “violento” e “perigoso”. Uma herança colonial da branquitude, que continuam marcando os nossos corpos diariamente.
Mesmo que o conceito tenha surgido para explicar o mercado de trabalho, a autora estende para outros espaços da nossa sociedade, como saúde, segurança pública, educação. Todos esses espaços partem do mesmo mecanismo de defesa: é preciso aniquilar o “invasor”, e proteger seus privilégios.
Nos encontramos nesse ponto. Entre a comunhão da branquitude que insiste em manter seus privilégios, através de seu arcabouço racista. Contra os esforços diários de uma população negra e indígena que precisa sobreviver diante uma sociedade que mata sem nenhum remorso, sem gerar horror ou qualquer constrangimento, para a manutenção de seus privilégios.

 

Legenda da imagem: Ilustração produzida pela artista Senegâmbia, para o segundo episódio do Fórum de Investigações Poéticas. Créditos da imagem: Senegâmbia

 

Referências Bibliográficas

BENTO, Maria Aparecida da Silva. Pactos narcísicos no racismo: Branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público. (Tese de doutorado), São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, 2002. Disponível em:<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-18062019-181514/publico/bento_do_2002.pdf>. Acesso em: 14 de novembro. de 2022.
HOOKS, bell. Escrever além da raça: teoria e prática. Tradução de Jess Oliveira. São Paulo: Elefante, 2022.

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