É preciso dar o nome certo para as coisas: gestantes substitutas e a importância da linguagem

Barriga de aluguel, do inglês surrogacy: ato de gestar um feto para terceiro inabilitado de realizar essa atividade sozinho. Do latim surrogare, que significa “se colocar no lugar do outro. Substituta”. A “substituta” em questão é uma pessoa que não planejou nem deseja criar a futura criança, mas que acolhe o embrião fecundado em seu útero por todo o período gestacional, podendo receber, ou não, uma compensação financeira por seu trabalho. Aproveitando a dádiva que a língua portuguesa nos dá, chamarei essa pessoa pelo termo neutro gestante substituta.

A língua – como nos ensina Jana Viscardi – é social e mutável, um espaço onde relações de poder se manifestam. Em barriga de aluguel, a linguagem é articulada para definir gestantes substitutas como “mães biológicas” dos fetos que gestam, vítimas ou vilãs que vendem seus “filhos”. Nesse cenário, o termo “mãe” é uma ferramenta usada para gerar pânico moral: o moralismo escolhe bem as palavras para convencer as pessoas que barriga de aluguel é uma prática degradante que explora mulheres que precisam ser salvas. Gestantes substitutas não são mães dos fetos que gestam, mas sim trabalhadoras exercendo uma atividade laboral que se inicia antes mesmo da transferência do embrião para o útero e persiste até o pós-parto. Gestar não é sinônimo de maternidade: não são apenas “mães” nem apenas “mulheres”. Pessoas gestam.

Pesquisas empíricas demostram que gestantes substitutas utilizam metáforas para definirem suas peculiares funções: elas são o “forno” que irá assar o pão-feto para seus futuros pais, a “estufa” que irá aquecer a planta-embrião ou ainda uma “babá ao extremo” que realizar uma atividade de cuidado uterino. Os termos empregados desagradam muitas pessoas, mas precisam ser respeitados. Foram escolhidos pelas próprias gestantes, dotadas de agência e capacidade de consentir.

Marilyn Strathern brinca com o significado do termo “surrogare”, alegando que a gestante substituta age no lugar de outra pessoa, representando uma possível (jamais imprescindível) faceta da maternidade, que é a gestação, sem ser a mãe. O grande diferencial dessa substituta é que ela age como uma dublê, sempre em referência a outra pessoa que, por implicação, é o eventual genitor (ou genitores) da futura criança. Para a autora, precisamos distinguir “tomar o lugar” (substituir permanentemente) de “agir no lugar de outro” (substituir temporariamente).

Gestantes substitutas nada mais são que substitutas temporárias pelo período gestacional, trabalhadoras que merecem nosso respeito, embora não o tenham de uma parcela considerável da sociedade. Utilizar o nome correto não é apenas um passo importante para vencer o moralismo, mas uma posição política que beneficia todas as pessoas que gestam. Para pensarmos em um feminismo verdadeiramente inclusivo, é preciso dar o nome certo para as coisas.

 

 

Descrição da imagem: a imagem mostra um esboço simples de um feto em desenvolvimento dentro de um útero, representado de forma neutra e sem associações específicas à maternidade. A figura está posicionada dentro de uma forma oval que representa o útero ou a bolsa amniótica, simbolizando o ambiente de proteção natural durante a gestação, sem implicações sobre o papel de gênero ou a identidade da pessoa gestante. Créditos: Bruna Kern Graziuso.