Enciclopédia Diferença e Saúde em Perspectiva

Conceito: presença-ausência

O presente verbete busca apresentar, de forma introdutória, a noção de absent present (presença ausente, tradução nossa), como formulada por Amade M’Charek, explicitando as maneiras pelas quais ela pode ser útil para refletir sobre raça e seus efeitos para a saúde. M’Charek atualmente é docente na Faculdade de Ciências Sociais e Comportamentais da Universidade de Amsterdã, integrando o programa de Antropologia da saúde, do cuidado e do corpo. Seus interesses de pesquisa estão voltados para questões que dizem respeito a antropologia forense e raça. Integra, ainda, o projeto Dutchness in Genes and Genealogy, um projeto que examina como a categoria “holandês” performa e é representada, em colaborações entre geneticistas de população, arqueólogos e genealogistas. Faz parte também do projeto Sexuality & Diversity in the Making. Atua como principal investigadora no projeto Race.Face.IDThe Absent Presence of Race in Forensic Identification. Por dedicar sua trajetória acadêmica a pesquisas etnográficas sobre os processos de materialização da raça e suas relações com o corpo, biotecnologias, saberes e práticas médicos e ciência forense, M’Charek formula uma noção que a auxilia a observar tais processos e as formas, bastante particulares, pelas quais raça se materializa: a absent present (presença ausente).

Esta noção é formulada justamente porque nas reflexões e análises da antropóloga, ela pôde observar como a raça, sempre negada como um fenômeno biológico, mas defendida como uma construção sócio cultural, constitui-se em um objeto material semiótico que precisa ser compreendido a partir dos modos contextuais e relacionais pelos quais se materializa e enact (performa), sendo composto por naturezas e culturas. Em vista disso, tal processo de materialização não circunscreve raça apenas no “social” ou no “biológico”. Ela precisa ser vista a partir de sua dobra. Em suma, por ser tomada como um objetivo material semiótico, é composta a partir do imbricamento entre naturezas e culturas e, portanto, entre o “social” e o “biológico”. 

Assim, é possível dizer que a raça oscila entre a realidade e a não-realidade, ou mesmo negação (M’Charek, Schramm & Skinner 2014). Isto ocorre porque ela é produzida a partir de uma gama de elementos que a fazem materializar-se, tornando-a difusa. Para M’Charek a raça é um objeto que não pode ser reduzido a um único elemento e constitui-se em uma prática a partir da qual distintos elementos, em conjunto, enact (performam) raça. (M’Charek, 2013; M’Charek, Schramm & Skinner, 2014; Duarte & Besen, 2017). A raça pode ser compreendida na chave analítica da presença-ausente, sobretudo porque quando o assunto é saúde, ela é veementemente negada a nível de discurso (Muniz 2021). Mas, se olharmos para quem são os sujeitos que mais morreram em decorrência da Covid-19 (Araújo et al., 202), qual a parcela da população que possui maiores dificuldades de acesso à saúde pública ou quais são os sujeitos que apresentam os piores desfechos em decorrência de negligências médicas (Batista, Werneck & Lopes, 2012)  podemos observar que a raça continua a ressoar e, mais que isso, a existir, a despeito de sua negação e suposta ausência.

 

Referências

ARAÚJO, Edna et al.. Morbimortalidade pela Covid-19 segundo raça/cor/etnia: a experiência do Brasil e dos Estados Unidos. Saúde em Debate, v. 44, n. Saúde debate, 2020 44(spe4), p. 191–205, 2020.

BATISTA, Luís Eduardo; WERNECK, Jurema; LOPES, Fernanda. Saúde da população negra. 2. ed. — Brasília, DF : ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, 2012.

DUARTE, Larissa Costa; BESEN, Lucas Riboli. Entrevista com Amade M’charek. Horizontes Antropológicos, n. 47, p. 383-399, 2017.

M’CHAREK, Amade. Beyond fact or fiction: On the materiality of race in practice. Cultural anthropology, v. 28, n. 3, p. 420-442, 2013.

_______.; SCHRAMM, Katharina; SKINNER, David. Technologies of belonging: The Absent Presence of Race in Europe. Science, Technology, & Human Values, v. 39, n. 4, p. 459-467, 2014.

MUNIZ, Tatiane. De corpos universais a corpos refratários: branquitude e efeitos raciais das tecnologias biomédicas. In: ROHDEN, Fabíola; PUSSETTI, Chiara; ROCA, Alejandra. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas : saberes, práticas e desigualdades. Brasília, DF : ABA Publicações, 2021.

Palavras-Chave: absent-present; materialização; saúde

 

Autoria: William Rosa

 

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