Oxímetro
O oxímetro é um aparelho utilizado para medir as taxas de saturação de oxigênio na corrente sanguínea, consistindo em um pequeno dispositivo em formato de clipe que pode ser acoplado ao dedo da mão ou lóbulo da orelha. É um teste não invasivo e indolor. Ele opera por meio de uma luz infravermelha e tem a capacidade de medir o nível de oxigênio presente no sangue (Sodjing et al., 2020; Fawzy et al., 2022). Com a eclosão da pandemia de Covid-19, o aparelho se popularizou, uma vez que o vírus Sars-Cov-2 afeta principalmente as vias respiratórias e, consequentemente, as taxas de oxigenação. Portanto, monitorar as taxas de oxigenação de pacientes infectados tornou-se uma prática eficiente e cotidiana, tanto em hospitais como em casa, devido ao baixo custo do aparelho e à facilidade de uso. Ao aferir sistematicamente os níveis de saturação de oxigênio, juntamente com outros exames e análise de sintomas realizada por um médico, é possível determinar se o paciente necessita de cuidados intensivos ou não.
Embora o oxímetro tenha sido amplamente utilizado no cotidiano fora dos hospitais e para monitorar pacientes em ambientes hospitalares durante a pandemia, um artigo publicado no “The New England Journal of Medicine” em 2020 revelou que o oxímetro tende a ter taxas de medição mais precisas em pessoas brancas. Isso ocorre porque o aparelho emite feixes de luz infravermelha para medir as taxas de oxigênio transportadas pelo sangue (American Thoracic Society). No entanto, Sodjing et al. (2020) indicam que a pigmentação da pele e a presença de melanina em pessoas não brancas não foram consideradas como fatores que exigiriam ajustes na tecnologia durante o desenvolvimento do aparelho. Em termos gerais, isso significa que quanto mais escura for a cor da pele, menor será a precisão do aparelho e possivelmente menor será a eficácia das intervenções, uma vez que estarão baseadas em parâmetros inconclusivos.
Isso sugere que a imprecisão na medição está intimamente ligada à cor da pele, constituindo um viés racial (Ibidem). Embora essa imprecisão seja discutida na comunidade científica e entre médicos, não se pode concluir que tenha havido intencionalmente preconceito racial na produção dos aparelhos de oximetria (Ibidem). No entanto, Sodjing et al. (2020) destacam que essa constatação ressalta a necessidade urgente de entender e corrigir as potenciais discriminações raciais presentes nos processos de desenvolvimento de tecnologias, uma vez que o racismo também se manifesta de maneiras não intencionais. Portanto, esse episódio evidencia como ignorar a questão racial não a impede de se materializar e ter impacto nos modos pelos quais os sujeitos nascem, vivem e morrem (M’Charek 2013; M’Charek, Schramm & Skinner 2014).
Ao examinar o caso do oxímetro e as controvérsias que o cercam, podemos compreender que a elaboração de tecnologias não é um processo neutro, e envolve atores humanos e não humanos que buscam estabilizar, ainda que temporariamente, fatos e verdades para garantir o funcionamento e a eficácia dessas tecnologias (Mol & Law 1994; Latour 20212; Strathern 2014). Ao trazer à tona as discussões em torno do oxímetro e sua imprecisão, é importante observar como os atores envolvidos na estabilização de uma determinada verdade ou fato estão sujeitos a ter suas produções questionadas: houve ou não discriminação racial no processo de elaboração? E se não houve, por que é necessário continuamente compreender e corrigir as potenciais discriminações raciais que se manifestam nas tecnologias?
Além disso, em 2021, o então secretário de saúde britânico, Sajid Javid, denunciou o viés racial presente nos equipamentos médicos responsáveis pela oximetria. Ele estendeu sua crítica além do oxímetro, questionando a suposta neutralidade defendida na comunidade científica na produção de tecnologias. Na visão de Javid, o caso do oxímetro representa uma falha sistêmica, não sendo apenas um defeito de fabricação, e pode ter custado a vida de pessoas não brancas, principalmente no início da crise sanitária causada pela Covid-19.
Referências
AMERICAN THORACIC SOCIETY. Oximetria de pulso. https://www.thoracic.org/patients/patient-resources/resources/portuguese/pulse-oximetry.pdf
FAWZY, Ashraf et al. Racial and Ethnic Discrepancy in Pulse Oximetry and Delayed Identification of Treatment Eligibility Among Patients With COVID-19. JAMA Intern Med.;182(7):730–738, 2022.
LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: Uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador; Bauru/SP: EDUFBA; EDUSC, 2012.
M’CHAREK, Amade. Beyond fact or fiction: On the materiality of race in practice. Cultural anthropology, v. 28, n. 3, p. 420-442, 2013.
_______.; SCHRAMM, Katharina; SKINNER, David. Technologies of belonging: The Absent Presence of Race in Europe. Science, Technology, & Human Values, v. 39, n. 4, p. 459-467, 2014.
MOL, Annemarie, and LAW, John. Regions, networks and fluids: anaemia and social topology. Social studies of science 24.4 (1994): 641-671.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. 5.ed. rev.amp. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
SODJING, Michael et al. Racial Bias in Pulse Oximetry Measurement. The New England Journal of Medicine, 2020.
STRATHERN, Marilyn. Cortando a rede. In: _____. O efeito etnográfico e outros ensaios. Cosac Naify, 2014, p.295-319.
Palavras-Chave: oxímetro; covid-19; raça; racismo
Autoria: William Rosa