Ficção em realidade: uma discussão sobre úteros artificiais
Você já deve ter ouvido falar em útero artificial. Já deve ter imaginado, visto alguma foto de pesquisa científica, lido em algum livro ou visto em algum filme alguma menção à gestação extracorpórea. O útero artificial é uma figuração presente em repertórios imaginativos e experimentais. Foi no contexto de explorar linguagens possíveis para as nossas pesquisas que, em 2021, fizemos no Labirinto o exercício de trabalhar com “figurações” (e falamos disso nesse post).
Partimos principalmente da forma criativa como Donna Haraway mobiliza figurações (Haraway, 1997; 2016), inspiradas pelas suas múltiplas possibilidades de expressão. E eu, na ocasião, escolhi como uma das “figuras”, a do útero artificial. Queria aprofundar reflexões produzidas anteriormente (Manica, 2018) e fazer um exercício especulativo com as biotecnologias cujas concretizações eu estava acompanhando no laboratório, estudando os agenciamentos das células do sangue menstrual.
Nesta semana foi publicado um artigo que elaborei a partir dessa experiência e dessas reflexões, chamado: “Úteros artificiais, órgãos por demanda e os dilemas da gestação”. O artigo foi publicado no dossiê “Maternidades, práticas de cuidado e tecnologias de governo”, da Revista Mundaú, da Universidade Federal de Alagoas. O dossiê em si está incrível, com muitos trabalhos interessantes e relevantes sobre as múltiplas e complexas dimensões da maternidade.
No artigo que escrevi, apresento como esse tropo do “útero artificial” está presente no repertório da ficção científica, como um recurso especulativo que mobiliza as possibilidades de gestações desconectadas do corpo de mulheres ou da futura maternidade. Apresento, também, uma revisão das principais frentes biotecnológicas que têm trabalhado pela possibilidade de os fetos se desenvolverem fora do útero, em matrizes artificiais. E termino com uma discussão sobre as perspectivas feministas possíveis para esse tema da gestação extracorpórea, tentando situá-la no contexto misógino e conservador no qual fomos jogadas na última década. Proponho reenquadrar a discussão à luz dos direitos sexuais e reprodutivos. Convido vocês a conhecer o texto. Depois me contem o que acharam.
Referências
HARAWAY, Donna. Modest_Witness@Second_Millennium.FemaleMan©Meets_ OncoMouse™.London: Routledge, 1997.
HARAWAY, Donna. Staying with the trouble: making kin in the chthulucene. Durham and London: Duke University Press, 2016.
MANICA, Daniela Tonelli; GOLDENBERG, Regina Coeli dos Santos; ASENSI, Karina Dutra. 2018a. CeSaM, as Células do Sangue Menstrual: Gênero, tecnociência e terapia celular. INTERSEÇÕES -REVISTA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES, v. 20, p. 93–113, 2018.
Descrição da imagem: a imagem mostra uma mulher vestida tal como as aias do romance “O conto da Aia”, de Margareth Atwood. Com uma túnica vermelha e um chapéu com viseira branco que encobrem a visão da mulher, impedindo também que seu rosto seja visto. A mulher está colocada no lugar do Cristo Redentor, escultura ícone da cidade do Rio de Janeiro, e na legenda lê-se “Brasil 2024”. Créditos: Cristiano Siqueira, @crisvector.