Maria Sibylla Merian, as mulheres naturalistas e o artigo que publiquei sobre elas

A ideia do meu Trabalho de Conclusão de Curso em Farmácia era escolher um naturalista, ler uma obra dele, catalogar as plantas presentes na obra e as informações sobre usos registrada. Depois, correlacionar os usos medicinais descritos com publicações científicas atuais. Meu orientador, o professor Leopoldo Baratto (UFRJ) ficou de me mandar uma lista de possíveis naturalistas com quem eu poderia trabalhar: todos eram homens! Eu topei a proposta, mas disse que só queria se pudesse trabalhar com uma mulher.
O professor Leopoldo, como sempre, me incentivou. Encontramos a Maria Sibylla Merian. Naturalista alemã, que autofinanciou sua expedição científica em 1699 para o Suriname para ver as borboletas em seu habitat natural. Eu li a obra Metamorphosis Insectorum Surinamensium (1705), que ela publicou quando retornou do Suriname. Cataloguei todas 54 as plantas e seus usos, sendo 26 usadas como alimento, 4 tiveram aroma descrito como agradável, 8 medicinais, 4 tóxicas e 9 para outros usos, como pintura, construção e até como canos para carregar água para as cisternas.


Ler a obra da Merian só fez eu ficar ainda mais deslumbrada por ela. A primeira ilustração do livro é um abacaxi e ela começa dizendo que tinha que ser a primeira, já que o abacaxi é o rei de todas as frutas e a fruta preferida dela. E ao longo do livro, você é transportado para junto dela, desfrutando todos os novos sabores das frutas, como o mamão que derrete na boca como açúcar. Você se impressiona com as interações entre plantas e insetos e quase pula da cadeira com a ilustração de uma aranha atacando um pássaro. E se sensibiliza, quando na ilustração da Caesalpinia pulcherrima, ela relata que as mulheres indígenas e as da Angola e do Guiné, que nas palavras dela são duramente escravizadas pelos holandeses, procuram essa planta para abortar. Ela diz que elas acreditam que seus filhos nascerão livres e não precisarão passar pelo mesmo sofrimento que elas. É um trecho muito difícil.
Eu correlacionei os usos medicinais com artigos científicos atuais e, teoricamente, eu tinha terminado o trabalho. Mas eu continuava com uma grande inquietação. Como a Merian tinha alcançado tanto prestígio no século XVII/XVIII e eu, em 2021, nunca tinha ouvido seu nome? Acabei esbarrando no livro How to suppress women’s writing (1983) da Joanna Russ, que ela descreve mecanismos de apagamento de mulheres na literatura.
Eu desaguei minha inquietação escrevendo. Exemplifiquei cada mecanismo com uma situação da história da Merian. Até que eu cheguei no mecanismo de isolamento, que consiste em tratar aquela mulher como única. Nesse momento, eu percebi que eu não podia escrever só sobre a Maria Sibylla Merian isolad, Fui atrás e encontrei 28 mulheres naturalistas. E o professor Leopoldo me orientou, contribuiu e apoiou em todas as etapas. E esse foi um pouco do processo da pesquisa e escrita do nosso artigo científico publicado no Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine!

Legenda da imagem: Retrato da Maria Sibylla Merian (1647 – 1717) pintado por Jacob Marrel em 1679; Ilustração 18 do livro Metamorphosis Insectorum Surinamensium (1705) da Maria Sibylla Merian; Ilustração 45 do livro Metamorphosis Insectorum Surinamensium (1705) da Maria Sibylla Merian. Créditos da imagem: Merian, Maria Sibylla. Metamorphosis Insectorum Surinamensium. Amsterdam: Voor den auteur, als ook by G. Valck; 1705. Disponível em : https://www.biodiversitylibrary.org/bibliography/63607. Acessado em 09 Feb 2022.

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