Nos bastidores do telejornalismo com Joyce Ribeiro e Luciana Barreto

A imprensa brasileira ainda não conseguiu cumprir o compromisso de ampliar a diversidade dentro das redações e atender a multiplicidade de vozes da sociedade. Segundo levantamento realizado em 2021 por Jornalistas&Cia, Portal dos Jornalistas, Instituto Corda e I’MAX, que mapearam o perfil racial da imprensa brasileira, foi observado que somente 20,10% dos profissionais da imprensa brasileira se autodeclararam pretos e pardos e em sua maioria ocupando cargos operacionais, como repórter, redator e produtor.
Joyce Ribeiro, âncora e redatora, é conhecida por sua trajetória no jornalismo e participações de pioneirismo na imprensa brasileira. Luciana Barreto é apresentadora e jornalista, além de estar entre as 100 pessoas negras mais influentes do mundo. E ambas as jornalistas carregam algo em comum: exercem funções de poder dentro das empresas que trabalham.
As duas jornalistas me auxiliaram através de suas histórias a entrar nos bastidores da TV e escrever minha dissertação de mestrado sobre “Nós Mulheres Pretas: Experiências com o telejornalismo no Brasil.” E, por exercerem destaque no mundo das notícias, elas abordaram temas que vivem dentro das redações como: solidão, ausência de pares, representatividade, e de que forma elas visualizam o futuro do jornalismo no Brasil.
Quando chegou ao mercado de trabalho, Joyce Ribeiro relembra seus desafios: “De maneira geral nós negros, que enfrentamos o mercado de trabalho na minha geração não fomos preparados para esse enfrentamento mais duro, coisa que não acontece da mesma maneira para muitas pessoas brancas que se lançam no mercado de trabalho […]. Por que eu digo isso, além da questão do pertencimento, existe receptividade entre eles, por exemplo: “eu vou me jogar nesse mercado de trabalho, mas ele é meu, ele me pertence, eu estou entre os meus, a maré vai me levar, alguém vai me apresentar, alguém vai me abrir portas”, relata a jornalista.
Ainda segundo a jornalista, o mesmo não acontece com a população negra que por vezes encontram as portas fechadas. “Nós negros, além das portas fechadas, para não dizer quase todas, temos que lidar com a pressão de não ser bem recebido, isso é muito duro.”
Luciana Barreto relembra que no início da sua carreira, tomou um susto quando foi convidada para assumir uma posição frente às câmeras de TV. “Eles me convidaram para ser âncora do jornal e eu me lembro de ter chorado muito, eu não queria. Para ver o quanto eu estava ferida, como mulher negra eu não me via naquela posição de destaque”.
Ela diz também que é muito difícil chegar ao espaço de poder e se sentir isolada e dar conta de tratar de inúmeras pautas. “Eu não consigo só pensar na guerra da Ucrânia, política, economia, história, pandemia, sem pensar em todas as questões sociais raciais envolvidas nesse processo”.
Ambas as declarações demonstram o “cerne” do racismo na sociedade brasileira, integrado às estruturas de organização. Por mais que elas ocupem esses espaços, o corpo negro em posição de poder não é aceito, pois são amparados por uma estrutura racista. A dinâmica refletirá em desgastes para as jornalistas que se veem desrespeitadas, e mal recebidas dentro dos espaços jornalísticos.
Grada Kilomba em seu livro “Memórias de Plantações” chama essa dinâmica de “racismo cotidiano”, esse que por sua vez destitui o direito das mulheres negras de serem sujeitos completos, sendo colocadas sempre como “outroridade” dos direitos reprimidos na sociedade branca. Ser colocada como outro, é ser destituída do ser “eu”, fazendo com que essas mulheres sejam vistas como “a intrusa”, “a diferente”, ou seja, ela só pode existir a partir do que o sujeito branco não quer reconhecer no seu íntimo.
Joyce Ribeiro, porém, enxerga o momento atual do jornalismo como outro momento para mulheres negras, sendo muito mais interessante para a ampliação de nossas vozes. “Sem dúvida é outro momento, é outro posicionamento, outro entendimento das questões, e outra possibilidade de ampliar nossas vozes”.
Para Luciana Barreto, a TV brasileira passa por reestruturações, muitas delas por conta do streaming e dos patrocinadores. A crescente das redes sociais digitais e a descentralização da informação impactaram nos recursos financeiros destinados à publicidade das emissoras, que por sua vez precisam repensar suas estruturas, abrindo questionamentos quanto ao seu papel para o futuro do jornalismo e a diversidade. Contudo, entende que sua posição propicia a apresentação de outros jornalistas negros. “Hoje eu estou muito feliz, acabei de indicar um amigo para uma vaga e soube que ele começa essa semana, então eu vejo que o meu papel é esse, trazer mais dos nossos para esses espaços”.

Referências:
BARRETO, Luciana. Entrevista Luciana Barreto [Mar,2022]. Entrevistadora: Jacqueline de Campos Medeiros. Campinas. Áudio. Entrevista concedida para essa dissertação de Mestrado Divulgação Científica e Cultural – UNICAMP.
Jornalistas&Cia et. al. Perfil racial da imprensa brasileira. Poder 360, 2021. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2021/11/pesquisa-perfil-racial-da-imprensa-17-nov-2021.pdf. Acesso em 04/08/2022.
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Cotidiano Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
RIBEIRO, Joyce. Entrevista Joyce Ribeiro [Jan, 2021]. Entrevistadora: Jacqueline de Campos Medeiros. Campinas. 2 videos. Entrevista concedida para essa dissertação de Mestrado Divulgação Científica e Cultural – UNICAMP.

Legenda imagem: Jornalistas Luciana Barreto (à esquerda) e Joyce Ribeiro (à direita). Créditos: Site: dmtpalestras.com.br, site: https://joyceribeiro.com.br/

1 Comment

  1. Maria Cristina Briani

    Parabéns pelo artigo!

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