O Blog do Labirinto
Por Daniela Manica, Fernando Camargo, Adriana Silvestrini, Clarissa Reche, Carolina Carettin
Muito tem se discutido sobre a necessidade da prática de responsabilidade aliada ao fazer científico. Seguindo algumas autoras, nós acreditamos que responsabilidade é a “habilidade de responder” (Haraway, 2016). Tal habilidade não é algo simples. Na verdade, ser capaz de responder possui uma grande implicação: ser capaz de se engajar em uma conversa. Sabemos que a ciência está estruturalmente baseada em alicerces que isolam e protegem cientistas em uma “torre de marfim” (Stengers, 2018), fazendo com que o funcionamento básico da produção de conhecimento através dos séculos fosse justamente a criação de uma cisão dura entre “nós”, cientistas, e todo resto da sociedade. Sabemos também que tais questões estruturais estão intimamente vinculadas a outras estruturas, como o Estado e o mercado, funcionando em concordância para a produção e a manutenção de desigualdades. Portanto, ser capaz de responder e de conversar pressupõe ações que experimentem uma maior abertura entre o que acontece “dentro” e “fora” das instituições acadêmicas em um movimento de transformação mútua.
Nos últimos anos, a divulgação científica em antropologia tem ganhado diferentes formatos e amplitudes. As ferramentas tecnológicas digitais têm colaborado para essa expansão do campo da divulgação. Podcasts, páginas em redes sociais, canais no youtube e blogs proliferaram. Carolina Parreiras e Paula Lacerda apontam que “com a pandemia da Covid as relações mediadas pela internet e pelos artefatos tecnológicos ganharam ainda mais espaço tanto no cotidiano de milhões de pessoas ao redor do mundo, quanto nas práticas educacionais” (Parreiras e Lacerda, 2021, p. 2). Soraya Fleischer e Daniela Manica (2020) comentaram como os podcasts surgiram, neste contexto, com o objetivo de “desafogar os olhos”, permitindo modalidades distintas de divulgação de conteúdo. No caso, com o som por meios digitais.
De todos os formatos de divulgação digital, talvez o blog seja um dos primeiros e mais “antigos”, na temporalidade da internet. Segundo Manu Saunders (2018), “os blogs amadureceram: de diários pessoais, em seus primórdios, eles passaram a ser, atualmente, ferramentas valiosas para o jornalismo alternativo e para a educação pública. E não é só: os blogs também evoluíram para um gênero acadêmico independente, marcando presença nas áreas de Ciências Humanas, Economia e Ciências Sociais. Como um gênero autônomo, os blogs da comunidade científica têm um grande valor para a academia, embora ainda não sejam formalmente reconhecidos na literatura acadêmica e recebam atenção limitada em discussões mais amplas sobre blogs” (Saunders, 2018, p.1). Para a autora, os blogs abrem oportunidades para as habilidades de escrita e novas colaborações, bem como discussões mais amplas e para além da academia sobre temas de pesquisa.
Desde sua origem, o blog tem como objetivo funcionar como um web diário que é circulado através de comunidades digitais, mas não só. Diferente de publicações científicas ou até mesmo de veículos tradicionais de mídia, o blog tem como característica ser um espaço de trocas que privilegia zonas mais íntimas da experiência, com um formato de publicação inerentemente hyperlinkado, ou seja, capaz de estabelecer ligações com outros materiais dispersos pela web. Pensando justamente nessas características é que escolhemos criar um blog para nosso laboratório como uma forma de realizar um experimento de divulgação científica pensado para abrir conversas e afetações mútuas, inclusive com outros materiais digitais resultantes das nossas pesquisas.
Inaugurado em outubro de 2020, o “Blog do Labirinto” é uma iniciativa do Labirinto, vinculado ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O blog é um sítio eletrônico que está alocado na página do grupo de pesquisas do Labirinto e é um espaço de divulgação de materiais diversos escritos pelos participantes e colaboradores do Laboratório. Nele, publicamos postagens com periodicidade semanal, em diferentes formatos (ensaios, verbetes, traduções, divulgações de eventos, resenhas, contos, imagens, boletins, podcasts, recortes de pesquisa e etc.). Os textos trazem reflexões e experimentações etnográficas, socioantropológicas e inter/multi/pós-disciplinares sobre a temática da “vida” em suas diversas e múltiplas acepções, incluindo suas intersecções com as tecnociências contemporâneas.
A fim de produzirmos conteúdos para serem acessados de forma rápida, “naqueles momentos em que se espera” (na sala de espera de uma consulta, enquanto espera o ônibus chegar, no intervalos de aulas, durante o café da manhã etc.), limitamos a quantidade de 3 mil caracteres textuais nas publicações. Dessa forma, além de tornarmos os conteúdos mais acessíveis, praticamos o exercício – difícil para cientistas sociais e antropólogos – da síntese e da escrita objetiva. Assim, divulgamos nossos conteúdos científicos em espaços mais limitados.
No caso de textos mais extensos, podcasts, artigo, sites etc. os posts publicados direcionam o/a/e leitor para uma outra página do sítio eletrônico, aberta para produções com um pequeno investimento editorial, em pdf. Nela cabem as traduções, textos longos de pesquisa e reflexão acadêmica que não cabem nos periódicos convencionais, relatos que também não encontram outros espaços de legitimidade nos demais canais universitários.
Todos os materiais publicados no blog são compostos por elementos textuais, entretanto estão sempre acompanhados de pelo menos uma imagem. Esta não tem por objetivo ilustrar e representar diretamente os conteúdos textuais, mas somar à narrativa, provocando outras relações e afetações com os conteúdos publicados. Além das imagens, experimentações que exploram o som como elemento narrativo fazem parte de pelo menos duas publicações do blog.
Idealizado pelos participantes do Labirinto durante as atividades de reflexão e pesquisas do grupo, o blog surgiu a partir da necessidade de construir um espaço de produção e comunicação científica capazes de preencher lacunas deixadas em aberto pelos formatos mais tradicionais e consolidados de publicação acadêmica e de divulgação científica. Assim, nosso principal objetivo com o blog é o de formalizar um espaço de experimentação em criação e comunicação de conteúdos científicos advindos não somente de nossas pesquisas, mas também das várias vivências acadêmicas como um todo. Isso perpassa desde o dia-a-dia do laboratório, as discussões e ações políticas, até nossos cotidianos mais íntimos, uma vez que tudo isso compõe aquilo que entendemos por fazer científico. Abrimos espaço para escritas iniciais de estudantes de graduação recém-ingressantes, até reflexões mais maduras sobre o laboratório e sobre a pesquisa.
O blog também funciona como um espaço de divulgação de eventos, sendo a maioria deles criados pelo grupo de pesquisadoras(es). Assim, desempenha o papel de uma agenda ativa que convida a audiência interna e externa para participar e interagir sobre temas debatidos por convidadas(os,es). Após a divulgação, o blog também apresenta a cobertura jornalística do evento, disponibilizando o material gravado por meio do canal do Labirinto no YouTube, e replicando as publicações em suas redes sociais (Instagram, Twitter e Facebook). Criado durante o isolamento imposto pela pandemia de covid-19, então com quase dois anos de existência, o evento “Encontros no Labirinto” já aconteceu oito vezes e contou com a participação de pesquisadoras(es) nacionais e internacionais. Todos os registros dos encontros que foram feitos de forma remota estão disponíveis na plataforma do blog, e no canal do laboratório no youtube.
O blog é um experimento aberto de simetrização. Ou seja, é como a construção de uma espécie de “janela” por onde é possível observar as entranhas do nosso laboratório e as entranhas de um certo modo de produção de conhecimento científico. Por essa janela, também podemos fazer circular o ar: é através desta abertura que o blog também funciona como um dispositivo de contaminação e afetação mútua entre o espaço constrito do laboratório e o que está fora dele. Deste modo, apostamos em uma prática de divulgação científica capaz de abrir os conteúdos para mais conversas, uma vez que não somente o conteúdo de nossas pesquisas é compartilhado, mas também o modo como produzimos nossas pesquisas também torna-se assunto para conversas “não especializadas”.
Desde o início, sentimos a necessidade de ampliar as visualizações dos conteúdos publicados no blog a partir de sua divulgação nas redes sociais do laboratório, uma vez que reconhecemos as redes sociais como plataformas importantes para a divulgação científica. Além disso, também realizamos a divulgação fora dos meios digitais, por meio de cartazes impressos que são fixados pelo campus da Unicamp de Campinas e também podem ser espalhados em outros territórios. Todos os cartazes são compostos por uma imagem e por um trecho do texto publicado no sítio eletrônico, além de outras informações sobre o autor e sobre o laboratório. Por meio de um QR Code, as pessoas podem acessar o conteúdo da postagem. Dessa forma, o blog, as redes sociais e os cartazes funcionam como dispositivos que transformam o blog em uma narrativa transmídia, possibilitando a participação ativa daquele que quer acessar determinados conteúdos. O blog concentra o conteúdo que circula pelo ecossistema físico da Unicamp, e digital da internet, funcionando também como um repositório autônomo, sediado no Labjor, deste conteúdo.
No início, a produção de material, principalmente textual, ocorria de forma mais espaçada. Porém, logo após dois meses de funcionamento deste espaço, a equipe de pesquisadoras(es) – comprometida em compartilhar os saberes e as descobertas, frutos de pesquisas e estudos – vem conseguindo, desde então, manter uma periodicidade semanal de publicações. A contribuição com postagens é democrática e voluntária e, até agora, todos os participantes do grupo de pesquisa já escreveram, ao menos, uma vez no blog. Percebemos que esse exercício de expor as ideias, pontos de vista e promover provocações reflexivas contribuem bastante para o eterno processo de escrita da(o) cientista. Com isso, conseguimos aperfeiçoar o nosso fazer científico, ao mesmo tempo que podemos expandi-lo para fora do restrito quadrilátero acadêmico. Trata-se da criação de um corpus de conhecimento que funciona como um registro da história do laboratório, o que é muito importante e muitas vezes menosprezado em diversos espaços acadêmicos.
Legenda da Imagem: Estéfani de Morais, bolsista no Labirinto, coloca cartazes divulgando as postagens do blog Labirinto nas paredes do câmpus. Nessa foto, o cartaz está sendo colado em uma parede preta ao lado de uma porta cheia de pichações. Estéfani está de casaco e máscara preta, com os cabelos cacheados presos no ato da cabeça. Créditos da imagem: Estéfani de Morais
Referências Bibliográficas
HARAWAY, Donna. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016.
STENGERS, Isabelle. ‘Another Science is Possible!’ A Plea for Slow Science. In: STENGERS, I. (2018) Another science is possible! A manifesto for slow science. Cambridge: Polity Press.
FLEISCHER, Soraya. R. ; MANICA, Daniela Tonelli. Ativando a escuta em tempos pandêmicos. Boletim Ciências Sociais, v. 78, p. 5-8, 2020.
PARREIRAS, Carolina., & LACERDA, Paula. (2021). Tecnologia, educação e divulgação científica em antropologia: Usos, consumos e produção de podcasts . Novos Debates, 7(1). https://doi.org/10.48006/2358-0097-7114.
SAUNDERS, Manu. Blogs de comunidade científica: reconhecendo o valor e mensurando o alcance (Artigo). Tradução de Ana Paula Tavares Teixeira e Bruno Leal Pastor de Carvalho. In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/blogs-comunidade-cientifica/. Publicado em: 26 Fev. 2018. Acesso: 8 jun. 2022.