Questões sobre a laqueadura em mulheres jovens e sem filhos: um mestrado em andamento
Esta pesquisa nasceu da inquietação sobre os motivos que levam mulheres jovens e sem filhos a buscarem a esterilização voluntária, apesar da ampla oferta de métodos contraceptivos reversíveis e eficientes. Ela se construiu em diálogos profundos com 24 mulheres e pessoas não-binárias, todas entre 21 e 35 anos, que decidiram pela laqueadura. Cada uma dessas histórias foi sistematizada com a ajuda do software ATLAS.ti, resultando em 220 páginas de transcrições que revelam narrativas marcantes. O perfil dessas entrevistadas reflete um cenário socioeconômico pouco peculiar: em sua maioria, são brancas, heterossexuais, com renda média de dois salários mínimos e formação superior. Dessas pessoas, mais de 75% optaram pela salpingectomia bilateral, mesmo que não haja dados conclusivos sobre sua eficácia contraceptiva. O que se destaca, no entanto, é a forte desconfiança em relação aos métodos hormonais. A laqueadura surge, para muitas, como um caminho de segurança, uma opção definitiva diante do temor constante de uma gravidez indesejada, num país onde o aborto é ainda criminalizado. A rejeição aos hormônios, alimentada por experiências frustrantes com contraceptivos e pela sensação de abandono por parte dos profissionais de saúde, também emerge como um tema recorrente. A decisão de realizar a laqueadura, portanto, ultrapassa a esfera do controle reprodutivo, envolvendo questões de poder, autonomia e o desejo de não depender mais de um sistema de saúde que parece falhar com elas. O que percebi, portanto, atuando como um fator aglutinador dessas mulheres e pessoas com útero que escolheram um método irreversível – sublinhando essa palavra em suas justificativas – foi o medo: medo de uma gestação indesejada, medo de ter seus consentimentos violados, medo de terem que lidar sozinhas com os resultados de uma relação conjunta, medo de terem seus poderes de escolha ceifados. Medos perfeitamente justificáveis em um país com um dos maiores índices de violência contra a mulher, onde mais de 60% das gestações são indesejadas, o aborto é crime e moralmente penalizado e milhões de crianças sequer possuem o nome do pai no registro. Evidentemente, existe aqui um campo de pesquisa ainda bastante inexplorado, com diversas possibilidades de análises que podem ser feitas a partir das ciências sociais e da saúde em suas múltiplas frentes. Por este campo perpassam temas que envolvem disputas de poder entre indivíduos, entre instituições, entre indivíduos e instituições; poderes implícitos e explícitos. São temas na área dos estudos da ciência e da tecnologia, dos estudos legislativos, de políticas públicas e de práticas do Estado; da violência de gênero, institucional, simbólica; do gênero, da sexualidade, das relações e raça, classe e regionalidade. Mais uma vez encontram-se os corpos capazes de gestar como territórios de disputas, tensionamentos, batalhas, revoluções e vislumbres do futuro que desejamos alcançar.
Descrição da imagem: Imagem ilustrando o útero, uma trompa descontinuada e um ovário, representando a cirurgia de esterilização feminina popularmente conhecida como laqueadura. Crédito: Revista AzMina.