Seguindo as tramas do tecido

De tecido ou não-tecido. De material elástico, de algodão, de renda, de acrílico. Tipo N95 ou com a bandeira do Flamengo. Com elásticos atrás da cabeça ou das orelhas. Meu exercício de pesquisa de olhar para as máscaras começa, bem antes, com minhas próprias descobertas no individual e coletivo aprendizado de viver em uma pandemia. Entender como fazer minhas escolhas me fez pensar como as outras pessoas faziam suas próprias.
As máscaras faciais são a proteção respiratória recomendada pelos órgãos nacionais e internacionais, classificadas junto às “medidas não-farmacológicas”. Prefiro entendê-las, junto ao distanciamento entre pessoas e à ventilação dos espaços, como medidas de cuidado, sem que sejam nomeadas em oposição às intervenções dos medicamentos e vacinas.
Diante do perigo de respirar o ar do outro, elas formaram barreiras opacas entre os sujeitos, que da noite para o dia precisaram aprender e desenvolver as técnicas corporais para o manuseio do material frente ao rosto. Argumento que as máscaras são lembretes visíveis de que há uma ameaça silenciosa e invisível no contato humano. Que os corpos devem estar a todo momento distantes, receosos, controlados, mas não se vê sangue, vírus, perigo iminente: é preciso ser constantemente lembrado de sua existência, mesmo não estando diante de seus olhos.
O uso delas no cotidiano, portanto, envolve negociações cotidianas das mais diversas, sejam ditas ou veladas. Funcionários de um estabelecimento que atende ao público precisam negociar se e quando cobrar o cumprimento da lei de uso obrigatório; amigos e colegas negociam entre si os encontros e as regras destes; e os próprios indivíduos, a todo o momento, negociam consigo mesmos as condições para usar ou deixar de usar, escolher uma ou outra máscara, decidir a hora de descartá-las… nada disso está posto ou é prévio às relações.
De acordo com análise do Science Pulse, a comunidade de divulgadores científicos no Twitter pode ter sido importante para o crescimento do interesse na busca de máscaras de alta eficácia, as chamadas PFF2 ou N95, pois passou-se a falar de diferenças entre elas.
Compus essa rede a partir do projeto Qual Máscara?, criado junto ao meu companheiro, Ralph Holzmann, que tem como objetivo auxiliar na resposta da pergunta central, que não é simples. Como escolher, em que situações usar, quando deixar de usar, são questões que se estendem para além da obrigatoriedade da lei. Em um país no qual o presidente da república é diretamente responsável pela veiculação de fake news relacionadas ao seu uso, como sequelas por aumento de CO2 dentro da máscara, o caminho para estas respostas se torna mais nebuloso.
Escolhi seguir as máscaras também na pesquisa e entender onde me levam, pois entendo-as como artefatos fundamentais na experiência cotidiana dessa avassaladora pandemia. Por entre as tramas dos tecidos – ou não-tecidos – das máscaras, atravessam juntos vírus, histórias, conversas, sorrisos, pânico. Se acompanharmos os desfiados fios das máscaras, já descartadas pelo tempo e reuso, emergem técnicas de cuidado, negociações, traumas individuais e coletivos, dores, luto. Registrar o que surge com elas é contar uma história possível, parcial e localizada, da pandemia de Covid-19.

 

Legenda da imagem: Banca de jornal na cidade de São Paulo anunciando a venda de máscaras personalizadas. Créditos da imagem: Acervo pessoal.

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