Sexualidade e educação política nas escolas: olhar para o passado para enfrentar o presente

Durante a pesquisa “Menstruação e Antropologia: Multiplicando possibilidades para alcançar dignidade” pudemos constatar que a sexualidade está sufocada dentro dos currículos, a despeito da grande vontade dos jovens de conversar sobre isso. Por isso, Clarissa Reche entrevistou a Dra. Cileda Sant’Anna Perrella, especialista em democratização da gestão da escola, sobre sua experiência com educação sexual. A seguir, o depoimento de Cileda:

 

Na década de 1990, eu trabalhava em uma escola da prefeitura de São Paulo. Era o governo de Luiza Erundina e passávamos por um momento de intensa mobilização social. Os grêmios estavam começando a se organizar, havia uma reestruturação do currículo, para trazer mais interdisciplinaridade e um aumento da participação da comunidade. A educação sexual veio nesse contexto, e essas propostas se entrecruzavam. Não era uma proposta isolada, e se chamava “”orientação sexual””, não “”educação”” pois não era algo disciplinar, mas sim voltado para a vida.
Criamos um espaço de expressão para os jovens, onde o professor que acompanhava o grupo também aproveitava para dar algumas orientações. Não ficava restrito à biologia, mas falávamos sobre respeito, sentimento, as relações entre as pessoas, gênero, carinho, afeto. Eu dava aula de biologia, e para conseguir me desvincular desse olhar, tive um acompanhamento muito bom, fiz mais de 100 horas de curso com uma equipe de psicólogos e outros profissionais! Eu também era orientada por eles. Não era uma aula, era um momento de descontração em que as crianças ficavam deitadas, com livros, sem lousa, em um espaço só para isso. Era muito gostoso!
Até então a escola não discutia sexualidade porque achava que estava invadindo um espaço da família, mas eu chamava a família e me diziam que não se sentiam preparados para ter essa conversa com as crianças, que preferiam que fosse a escola. Nesse jogo de empurra, ninguém fazia esse trabalho e os jovens ficavam sozinhos. Naquele momento, o que aparecia muito para gente era a questão da gravidez na adolescência, e foi isso que em grande parte que motivou a gente, além das questões das DSTs. Ao longo do tempo outras questões foram aparecendo, como abusos e violências sexuais na família, casos de homofobia. Mas, naquela época, o ECA estava nascendo, não tinha Lei da Maria da Penha…. o encaminhamento era mais difícil. Quando essa administração acabou, poucas escolas levaram esse projeto adiante, e aí que a gente viu a importância dele.
Hoje em dia, vejo que essas questões de abuso e violência sexuais são urgentes, e um projeto como esse poderia ajudar muito. Mas hoje, além de mudanças como a internet, vivemos em um momento de avanço das políticas neoliberais dentro da educação, além da ascensão do conservadorismo religioso, a escola militarizada, o Escola Sem Partido e a ideia de “homeschooling”. A negação do debate da sexualidade está neste caldo. Não tem como discutir sexualidade sem discutir educação política, e ambas são necessárias para uma educação emancipatória.

 

Saiba mais em:

PERRELLA, Cileda dos S. Sant’Anna. Paulo Freire e o tema da sexualidade na política educacional do município de São Paulo (1989 – 1992). Revista Educação Básica em Foco, v. 2, n. 3, julho a setembro de 2021.

 

Legenda da imagem: fotografia de Cileda S. Perrella. Créditos: da autora.

Leave A Comment