Agora eu posso falar, minha denúncia tem espaço
Eu estou pronta
agora que fugi, corri, e me lavei
agora que a dor se tornou anestésico
neste instante que a minha tentativa de me encontrar está próxima de dar certo.
Estou pronta para dizer o que me proibiram por tanto tempo
ainda tentam, mas eu tenho aprendido a gritar
diga comigo: M E N S T R U A Ç Ã O
“Não, você não pode” – me dizem
eu sangro todos os meses, meus hormônios me carregam, me aquecem,
me giram, e eu caminho, mas ninguém percebe, passo pelas ruas com a cabeça erguida,
eu finjo, eu performo, foi o papel que me deram, O MISTÉRIO, O SEGREDO, eles cabem a
mim, não te contaram? É claro que sim, na verdade nem é preciso, a gente VÊ, SENTE,
OUVE, OBSERVA
as bocas sussurram “Chico”, “aqueles dias”, “estoy mala”, ‘’regra’’, ‘’o boi’’.
Eu escuto uma voz
ela é rouca, no entanto é forte
no fundo da minha mente ela passeia, brinca e grita veladamente:
“Se esconda! Limpe seu sangue e apague suas entranhas, eles não querem saber como
você é, ou o que você pensa, eles te querem mas não dessa forma”.
É ensurdecedor, porém está aqui a tanto tempo que já me acostumei com a dor – a
chamada resiliência só é construída com muitas cicatrizes,
não nasci forte me fizeram assim
Meu coração não é duro, ele se sedimentou.
Dentro de mim tem uma confusão
por que ninguém fala menstruação? porque eu me escondo?
de onde vem essa voz? Ela nasceu comigo? – será? não é possível.
Quero falar mas não sei o que dizer
porque eu não consigo falar do meu próprio corpo?
quem poderia saber dele melhor que eu? ELES?
elEs não falam por mim, ao menos não deveria ser assim
São elEs o tempo todo, não importa para onde você olhe sempre tem um ‘’elE’’ te rodando,
me rondando, se beneficiando, com seu discurso de falsa moral, seu ódio, sua misoginia,
coberta com o nome de um deus que não é meu – eu não ligo para o seu deus
Sinto muito se isso te insulta, mas eu cansei de ficar muda.
Como disse Don L “Sua sorte é que eu quero só muito, vocês tavam fudido se eu quisesse justo”
Então, agradeçam a minha misericórdia, porque a minha revolta ainda é controlada
o meu choro ainda está escondido, e vocês ainda não me viram gritar
acho bom me escutarem enquanto eu peço, porque a revolução que eu quero não obedece
suas leis, elA não está limitada pela sua dicotomia barata, sua binariedade artificial,
não, elA é livre!
assim com eu sonho ser, nós sonhamos
Sonhamos com ruas sem nenhuma de nós sendo violentada
sonhamos com o nosso sangue sendo respeitado
mas do que sonhos, nós lutamos, pegamos nossos martelos todos os dias para destruir
esse muro que nos cerca, nos reprime
queremos mais do que ver uma paisagem bonita, queremos estar nela
Nosso sangue não é morte, não é nojento e asqueroso
ele é vida e renovação.
Amo ter esse corpo que menstrua,
amo ocupar esse lugar, amo a forma como eu sinto a vida, como eu vejo o mundo.
Sou grata ao meu corpo porque ele esteve comigo desde que entrei nessa terra estranha e
cinzenta, ele me permite ser tantas coisas, e não será o seu ódio que vai me convencer que
ele não é bom o bastante.
Eu vivo para construir um mundo onde o seu ódio não tenha mais lugar
onde nossas vozes são ouvidas, e nossas dores sentidas.
Queremos muito mais do que nos é permitido, e a justiça vai custar muito caro.
As caixinhas que foram criadas não cabem quem eu sou,
somos mais do que um gênero, não somos um objeto
e com certeza não somos um receptáculo, não nasci mãe, e a menarca não me torna uma,
a maternidade não é o meu fim, ou minha obrigação.
Temos paixões, desejos, pensamentos
e existem milhares formas de ser, não precisamos nos conter.
Há uma vida pequena para viver, e não queremos normas e padrões para nos dizer como
devemos ser.
O seu discurso não me convence mais
a consciência tomou lugar em mim, e expulsou a alienação que me cegava
podem tentar me calar, mas não vão conseguir, porque isso vai muito além de mim,
o nós é maior do que sua violência, e mais forte que sua dominação.
Por: Thaís Bezerra Novais
Com base no texto: “Entre vergonhas e silêncios, o corpo segregado. Práticas e
representações que mulheres produzem na experiência da menstruação”, de Marlene de
Fáveri e Anamaria Marcon Venson